O mundo do trabalho e as mulheres
Provavelmente todo mundo já escutou alguma mulher dizer que não trabalha quando não tem um emprego formal. Esta expressão revela o quanto as próprias mulheres sentem-se estrangeiras no mundo do trabalho das sociedades capitalistas. Trabalhar, nesse contexto, significa trabalho produtivo. Trabalho de quem recebe um salário ou ganha dinheiro. Trabalho doméstico, nesse contexto, não é considerado propriamente trabalho.
Em todas as áreas que se dedicam a estudar o trabalho humano, aparece, de alguma maneira, uma discussão sobre a questão do trabalho doméstico. É uma discussão onde um dos aspectos centrais é sobre o seu significado dentro de uma economia capitalista. Por exemplo, para uns, o trabalho doméstico se caracteriza por ser necessário, mas que é improdutivo. Seria necessário porque contribui para a reprodução cotidiana da força de trabalho do trabalhador, assim como a reprodução biológica. Porém isso não quer dizer que tenha as características suficientes para ser definido como trabalho produtivo nesse contexto capitalista. Outros colocam que cria valor devido à reprodução da força de trabalho, mas que não está sujeito à lei do valor. Outros dizem que, embora produza valor, é um valor de consumo e não de intercâmbio e não pode ser expresso como trabalho abstrato, nem pode identificar-se como magnitude de valor, ao não existir mecanismo algum para quantificar o trabalho socialmente necessário. Poderíamos passar muitas páginas adicionando minúcias sobre o que seja o trabalho doméstico neste mundo em que vivemos. No entanto, uma coisa é certa, é praticamente unânime que trabalho doméstico é coisa de mulher. É um trabalho desvalorizado porque não gera dinheiro. Daí que provavelmente, homem algum, mesmo realizando trabalho doméstico (porque gosta, porque é obrigado pois não tem ninguém que faça por ele e nem pode pagar para que alguém faça etc.) não se sente confortável em ser associado a esse tipo de trabalho. Tanto porque é coisa de mulher, quanto porque é desvalorizado.
O tema gênero e trabalho – ou a questão da diferença entre os sexos no trabalho – emergiu no fim dos anos 1960 na Europa e nos Estados Unidos, impulsionado pelos movimentos feministas, e a partir de 1975 nos países da América Latina, com a instituição, pela ONU, da Década de Mulher, no México. Nos dias de hoje, esse tema adquiriu importância própria devido a que a atividade laboral feminina em todo o mundo é forte e generalizada, com o aumento da taxa de atividade sendo acompanhada por mudanças nos padrões de fecundidade e no comportamento feminino na área profissional. Sim, o mundo está mudando, e o mundo do trabalho, ainda mais. No entanto, as desvantagens para as mulheres continuam existindo: salários mais baixos, dificuldades de subir na carreira, dupla ou tripla jornada, assédio moral e sexual e assim por diante.
A constatação dessas desvantagens persistentes, diferentemente do que poderíamos supor, serve como estímulo para o trabalho incansável das mulheres para derrubá-las. Estão aí, em evidência, os diferentes movimentos feministas atuando sem parar para consolidar as conquistas já alcançadas e a estabelecer novos patamares de igualdade e possibilidades para as mulheres. Não podemos esquecer que muitas, além de ser mulheres, têm que enfrentar o dragão do preconceito, da discriminação, por serem negras, pobres, muito jovens, idosas, gordas, deficientes, lésbicas, terem filhos/as e todas outras características que servem de desculpas para a opressão das mulheres.
Em nosso país, como nossa Constituição garante que somos todos e todas iguais perante a Lei, isso pode levar a quem é um pouco desavisado, a pensar que já se alcançou tudo em termos de igualdade entre as pessoas. Que as contradições e discrepâncias mais dia, menos dia, irão se ajustando e tudo irá melhorando. Ledo engano. Já faz bastante tempo que Simone de Beauvoir nos avisava que, ao mínimo sinal de perturbação social ou econômica, as primeiras e terem suas conquistas questionadas e, se possível, eliminadas, são as mulheres. A História nos mostra isso em vários momentos. Estamos vendo muitas tentativas disso nos tempos atuais em nosso país e no mundo. Assim, atenção e compreensão dos sinais continuam sendo necessárias. Uma das primeiras providências nesse sentido é ler e estudar o tema.
Para quem se interessa pelo assunto, recomendo algumas autoras: Cristina Borderías, Cristina Bruschini, Daniele Kergoat, Heleieth Safiotti, Helena Hirata, Laís Abramo, Liliana Segnini, Maria Margaret Lopes, Maria Rosa Lombardi, Silvia Federici, Mercedes D´Alessandro. Cada uma delas, certamente irá mencionar outras autoras que eventualmente tratem mais profundamente do aspecto que interessa a cada pessoa em particular. Ler, um livro, um artigo, ou na Internet, nunca sai de moda.